Memórias da Vila - Severino, Gustão & Cia.

Memórias da Vila - Severino, Gustão & Cia. 
Capítulo I

Outro dia voltando do Terminal Rodoviário, ao invés de pegar a Tabajaras para ir em direção à zona Leste, resolvi cruzar a Vila Indústria sentido Vila Santa Rita de Cássia.

Fui tomado pela nostalgia, pois foi ali entre as ruas Rússia (hoje João Tavares do Couto, pra mim será sempre Rua Rússia), Avenida Inglaterra e Rua Vera Cruz que passei grande parte da minha adolescência.

Naqueles tempos as ruas ainda eram todas de terra. Bem ao lado onde funcionou a fábrica de Malas Imperial exista um campinho de futebol onde passávamos grande parte do nosso tempo brincando de bola, caçando pardal com estilingue (naquela época havia muitos pardais) e assistindo os trens que passavam pra lá e pra cá a todo instante. Do campinho de chão batido dava para ver a nossa movimentada estação ferroviária.

Éramos vizinhos do seu Gregório e dona Antónia, com os filhos Zinho, Nenê, Roberto, Edmo, Élcio e a Idalina. Seu Gregório tinha um jipe DKV e nos finais de semana nos levava para a fazenda do Mário Pato, lá pelos lados do Bairro Toledo. A gente ficava o sábado e o domingo por lá, tomando banho e pescando nas águas do Rio Iacri.

Seu Gregório era uma espécie de empreiteiro para serviços rurais. Na época, chamado de “gato”. Na turma havia vários nordestinos. Era muito bom conviver com todo esse pessoal de lugares tão diferentes que o nosso. Entre os quais havia os irmãos alagoanos Severino, o Zito e o Zé Mané.

O Severino era um figuraço. Vaidoso, gastava quase um vidro de brilhantina por semana, vivia ajeitando os cabelos através de um espelhinho de bolso, daqueles com foto de mulher nua.

Eu ficava fascinado com o vocabulário dos três irmãos: avexado, bichin, cabra da peste, etc.

Certa vez o Severino me chamou e disse:

– peça lá para tua mãe um caxete pra mim, estou com uma dor de cabeça da gota.

– Que diabos é caxete? – perguntei, caindo na gargalhada.

O Severino não gostou.

– Ochente! “Tá” mangando de mim seu baitola. – Disse isso e saiu

resmungando por eu ter zombado dele.

Fui correndo perguntar ao Zé Mané, irmão do Severino, o que era o tal do caxete.

– Ochente bichin, num sabe que é comprimido?

A partir desse dia fiquei sabendo o que era e toda vez que pego num comprimido, me vêm à mente esse episódio.

Nosso ponto de encontro ali na vila era o bar do seu Perez, o espanhol. Os filhos Dudu e o Bitta era quem o ajudava no balcão. Eu passava horas por ali vendo o pessoal jogar sinuca e baralho. O dominó eu também arriscava jogar de vez em quando, mas o Bitta era um “rato”, ganhava todas.

Bem ao lado do bar morava o Gustão. Parecia um desses personagens de novela;misterioso, vivia sozinho e nunca comentava sobre seu passado. De onde viera, se tinha família, ninguém sabia. Era um segredo só dele. Magro e alto, se vestia com simplicidade, mas tinha a postura de um lorde. Com uma das mãos estava sempre analisando o bigode encaracolado e comprido.

Era cozinheiro e ostentava com orgulho seu avental comprido, não tirava nem nos dias de domingo. Corria a lenda que seu prato preferido era carne de gato.

Sua casa era um velho salão de bar, não havia janelas, e a nossa diversão era tentar descobrir o que havia lá dentro, mas a porta estava sempre fechada. Achávamos que lá estavam escondidos os bichanos para serem feitos churrasquinho.

Quando estava no bar do seu Perez, o Gustão sentava-se sempre ao lado da porta, saboreava seu copo de cachaça como se estivesse bebendo o néctar dos Deuses (em pequenos goles), de pernas cruzadas, passava horas contando histórias. Pronunciava as frases com tanta perfeição, que parecia estar bebendo cada palavra, um português de fazer inveja.

Vez ou outra soltava gargalhadas altas e longas, podia-se ouvir a quase duas quadras de distância.

O Gustão vivia profetizando que morreria com cem anos, embaixo de um bambuzal.

Pelo que sei suas premonições não se concretizaram; morreu bem antes.

Como se dizia antigamente nos finais de cada capítulo de novela. A seguir: Cenas dos próximos capítulos.

Semana que vem eu continuo.

Por J. Barbosa em 25/04/2006

Nota:

- J. Barbosa  é  Profissional do Rádio em Tupã-SP, Colaborador Voluntário Neste Blog.

- Fotografia: Internet 

-  Texto cedido pela autor