Memórias da Vila

Memórias da Vila
Epílogo

A circular, o português e o mergulho na fossa.

De repente, vem a vontade de escrever sobre coisas e acontecimentos que, distantes do tempo, não nos deixam. São ideias que permanecem nas fronteiras do consciente e ficam ali, como lixa, a polir nossa vontade, marcando data para eclosão natural e definitiva.

São os sonhos, a elaboração dos pensamentos, o preparo para transferir para o papel  o que passa dentro de nós. É a forma que temos de compartilhar com o amigo leitor o que temos em nosso íntimo.

Semana passada, prometi que continuaria a escrever sobre meus tempos de adolescência lá pelos lados da Vila Indústria (na cidade de Tupã-SP). Então vamos lá, espero que gostem.

Assistindo toda esta polêmica em torno da circular, envolvendo os idosos e os micro-ônibus, que causam tantas reclamações, lembrou-me do início das atividades dos ônibus coletivos em nossa cidade e Tupã.

Uma das primeiras linhas fazia ponto final ali na Vila Indústria nas esquinas das ruas Rússia com Inglaterra. Foi com grande entusiasmo que assistimos à chegada dos enormes *ônibus amarelos com o logotipo E.C.C.B. -  Empresa Circular Cidade de Bauru, pois , ainda não haviam alterado para E.C.C.T. - Empresa Circular Cidade de Tupã.

A chegada dos ônibus urbanos era o símbolo do progresso para nós tupãenses, pois na região só Marília e Bauru possuíam tal modernidade.
Nos primeiros dias a garotada fazia fila no ponto à espera dos enormes ônibus amarelinhos.
os ônibus amarelos eram deste modelo
A gente saia da Vila Indústria, atravessa toda a cidade e só parava na Vila Abarca em frente á fábrica de óleo (hoje  denominada Granol Indústria, Comércio e Exportação S/A). Quando chegava lá ninguém descia, ficávamos dando voltas com um único bilhete.

O nosso “turismo” só teve fim quando alguns dias depois a empresa passou a exigir que no ponto final todos descessem e passou a cobrar pela passagem de volta.
Existem muitos acontecimentos e personagens que não saem da mente. Se fosse escrever sobre todos, talvez desse um bom livro de memórias.

Tem história do nosso vizinho que afundou na “merda” literalmente. Ele pesava mais de 120 quilos, e quando entrou na privada caipira, o assoalho desabou de uma vez, deixando-o atolado até o pescoço.

Era um fim de tarde e o grito de socorro ecoou pelos cantos da vila. Logo uma pequena plateia se formou nos fundos do quintal para assistir o difícil resgate.

Como não havia bombeiros na época, a ocorrência foi atendida pela Rádio Patrulha. Uma pequena operação foi montada para tirar o cidadão da vexatória situação.

Não havia espaço suficiente para puxá-lo para fora. Foi preciso desmontar as paredes de tábua e colocar um *sarilho de poço para içá-lo com uma corda.
-Sarilho de poço
Foram vários dias e muitos vidros de perfume para acabar com o odor desagradável que ficou impregnado na pele do pobre coitado, sem contar as piadinhas de mau gosto que teve que ouvir por muito tempo.

Também morava por ali perto de nós, uma família de portugueses. O chefe da casa era um senhor de idade.
Trajava-se com elegância, roupa social, óculos de grau, armação preta, chapéu de feltro daqueles da aba pequena e usava bengala. Passava o dia inteiro caminhando da sua casa ao bar Garoto, o bar do seu Peres, o espanhol.

Quando chegava ao balcão do bar, não precisava nem pedir, seu Peres já estava com a garrafa na mão, era sempre a mesma coisa, uma pequena dose de vinho.
Ele jamais se sentava para prosear com alguém, o máximo que falava era bom dia ou boa tarde e depois de beber sua dose de vinho, voltava lentamente pela Rua Vera Cruz até sua casa.
Assim passava o dia inteiro, das primeiras horas da manhã até o cair da noite, caminhando entre o bar e sua casa.
Às vezes não chegava nem entrar na residência, ficava na varanda sentado na sua cadeira preguiçosa com o olhar perdido no infinito, ouvindo o cantar dos pardais, coleirinhas e até sabiás que existiam em abundância nos enormes quintais do bairro; havia pés de goiaba, caju, manga, mamão, tangerina e outras frutas que faziam a festa dos pássaros e a nossa também.
Ali sentado talvez relembrasse seus tempos de menino na sua terra natal, a distante Portugal.

Todos esses acontecimentos e personagens são reais, não são devaneios da mente do cronista.
São personagens de uma época em que a vida parecia correr mais lentamente e sem o stress dos dias de hoje.

Entre tantos personagens daquela época havia também o suíço, que consertava rádio. Era vizinho de quintal da nossa casa...
Mas isso é outra história. Vou parando por aqui se não vira novela.
Por J. Barbosa em 01/02/2006
Nota:
- J. Barbosa  é  Profissional do Rádio em Tupã-SP, Colaborador Voluntário Neste Blog.
- Fotografia: Internet 
 Texto cedido pela autor



























































































Memórias da Vila Memórias da Vila Reviewed by ELIO SILVA on 12/15/2018 Rating: 5

Um comentário:

  1. Muito bom ler essa estória que não é devaneio ou invenção, mas uma recordação meiga de tempos passados.

    ResponderExcluir

Recent Posts

recentposts
Tecnologia do Blogger.